Essa foi mais uma viagem em família, cujo objetivo era visitar os países de alguns de nossos ancestrais. Passamos 22 dias viajando: 4 noites em Varsóvia, 3 na Cracóvia (um dos dias visitando Auschwitz), 3 noites em Praga, 3 em Munique, 2 em Nuremberg e mais 5 em Berlim. De Varsóvia a Cracóvia pegamos um trem. E da Cracóvia a Praga outro trem. Em Praga alugamos um carro e fizemos o resto do caminho até Berlim.
Desde o século X a Polônia é um país de maioria cristã. E foi palco de grandes disputas nos últimos séculos, por sua posição geográfica e recursos naturais. Entre 1600 e 1945 foi vítima de nada menos que 43 invasões ou guerras – obteve sua independência oficial em 1918, com o fim da 1a Guerra Mundial – mas perdeu sua hegemonia ao ser invadida pela Alemanha em 1 de setembro de 1939 e pela União Soviética no dia 17. Viveu anos sombrios sob a dupla dominação, até que, no fim da guerra, permaneceu nas mãos da União Soviética, que ali implantou um regime comunista autoritário. Virou uma democracia parlamentarista somente em 1989.
Durante a 2a Guerra, já em 1939 foi montado no país o primeiro campo de concentração, Stutthof. Depois, seguiram-se o de Auschwitz-Birkenau (1940), Majdanek (1941), Plaszów (1944), e mais alguns. Nos territórios ocupados pela Alemanha nazista, os judeus foram amplamente perseguidos e privados de suas posses e dignidade. No início, já em outubro de 1939, foram forçados a viver em guetos, como o de Piotrów Trybunalski. O gueto de Lód´z foi montado em 1940 e o de Varsóvia em outubro do mesmo ano. A partir de dezembro de 1941 começou o extermínio nos campos de Chelmo, Sobibór, Bel´zec, Treblinka e Auschwitz-Bierkenau. E o país guarda amargamente a memória dessas atrocidades em museus, monumentos e cemitérios.
Varsóvia – 3 dias
Chegamos em um domingo e tomamos um táxi do aeroporto ao hotel. No caminho, o motorista nos perguntou, em inglês, de onde éramos. Do Brasil, respondemos. E ele, enfaticamente: “WHY?” Claramente nem os próprios poloneses acreditam que o país seja um destino turístico, principalmente para brasileiros, que têm aqui lugares maravilhosos. Mas estávamos realmente curiosos para conhecer os lugares de onde saíram nossos ancestrais fugidos da guerra.
Após deixar as malas no hotel, procuramos um lugar para almoçar e, em seguida fomos visitar o Warsaw Uprising Museum. O Museu da Revolta é um dos mais importantes e populares da cidade, contando a história daqueles que defenderam a pátria contra a ocupação alemã em 1944, e mostrando em fotografias vívidas a destruição causada na cidade até sua libertação em 1945.

Warsaw Uprising Museum
Dia 1 – história judaica
Para o primeiro dia havíamos contratado uma guia local para nos levar a conhecer outros cantos da cidade. Começamos pelo que ainda restou dos Muros do Gueto de Varsóvia, que enclausuravam mais de 400 mil judeus até o início da onda de deportações em 1942. O lugar foi palco do Levante do Gueto de Varsóvia em abril de 1943, quando um grupo de combatentes judeus, pobremente armados, lutou contra um número muito maior de soldados alemães, fortemente armados, e resistiu por quase um mês, até serem derrotados. Dos mais de 56 mil judeus capturados, 7 mil foram assassinados a tiros e o restante deportado para os campos de extermínio.

Marcas como essa estão espalhadas nas calçadas ao redor de onde foi o gueto
Dos muros de tijolo vermelho do gueto são 10 minutos a pé até a Sinagoga Nozyk, passando por marcas registradas no piso das calçadas com os antigos limites do muro do gueto. Uma das mais importantes e antigas sinagogas em atividade da cidade, a construção do século XIX é das poucas instituições judaicas que sobreviveu à guerra, e hoje é um importante símbolo da resistência e da sobrevivência da cultura e história judaicas na Polônia.

Fachada da Sinagoga Nozyk

Interior da Sinagoga Nozyk
Retornando pela rua Grzybowska e virando à direita na rua Zelazna passamos por uma casica extremamente estreita, quase despercebida, construída no vão entre dois edifícios, a Casa Keret. Considerada a casa mais estreita do mundo – ela possui 90cm em uma extremidade e 150cm na outra – ela foi construída pelo arquiteto Jakub Szczesny como forma de crítica ao déficit habitacional na Polônia, sugerindo que deveriam ser utilizados mais espaços residuais na cidade. Seu primeiro morador foi o escritor israelense Etgar Keret, cuja família foi morta na revolta contra os nazistas em 1944. A ideia era que Keret passasse a chave da casa adiante seis meses depois, para que outros inquilinos pudessem ter a experiência de viver ali. Detalhe: a geladeira só guarda duas bebidas ao mesmo tempo 😉

Maquete da Casa Keret
Um pouco mais à frente, na Chlodna número 20 está uma construção art nouveau de 1913, que foi residência do engenheiro judeu Adam Czerniaków, líder do Judenrat, a organização judaica responsável por implementar as ordens nazistas no Gueto de Varsóvia. Dizem que em 1942, tendo recebido ordens de supervisionar a deportação de compatriotas judeus para o campo de Treblinka, ele escolheu tirar ali a própria vida.

Antiga residência de Adam Czerniaków
Uma caminhada leve nos leva à Praça Umschlag, um monumento de pedra cinzenta aos mais de 300 mil judeus deportados do gueto para os campos de extermínio entre 1942 e 1943. É um lugar para parar e refletir.

Umschlagplatz
Ali bem ao lado fica o Cemitério Judaico, único da religião ativo em Varsóvia. Foi construído em 1806 além dos limites da cidade e hoje abriga cerca de 200 mil túmulos, incluindo o do inventor da língua universal Esperanto, Ludwik Zamenhof, e um Memorial a Janusz Korczak, o escritor, radialista e pediatra que cuidava das crianças órfãs no Gueto de Varsóvia e que, apesar de ter sua segurança garantida pelos nazistas, resolveu acompanhar os jovens sob seu cuidado quando foram deportados para Treblinka em agosto de 1942.

Túmulo de Ludwik Zamenhof, criador do Esperanto

Memorial a Janusz Korczak
Mais uma batida de pernas, ainda no distrito de Muranów, e chegamos ao POLIN, o Museu da História dos Judeus Poloneses, que descreve a vida da comunidade judaica ali desde o ano de 960, durante o reinado do Rei Miesko. É fato que o rei, em 966, tomou a decisão de aceitar o batismo, o que levou gradativamente à cristianização de todo o país. Mas apesar disso, os comerciantes e diplomatas judeus que ali chegavam podiam ainda exercer suas crenças com uma liberdade de que não desfrutavam em outros lugares da Europa. Por meio de montagens fotográficas, mapas, artefatos, maquetes e filmes o museu conta como a comunidade foi crescendo, até ser quase que completamente dizimada pelos alemães.

POLIN, o Museu da História dos Judeus Poloneses
Uma das mais famosas áreas do museu é a reconstrução das pinturas no teto da Sinagoga Gwoździec, destruída na guerra. Os desenhos extremamente elaborados e coloridos mostram os signos do zodíaco e animais messiânicos sobre um rebuscado altar sextavado.

Réplica do interior da Sinagoga Gwoździec
Dia 2 – história polonesa
Ali perto da sinagoga Nozyk está o Palácio da Cultura e Ciência, o arranha-céu mais alto de Varsóvia, onde ficam teatros, cafés, um cinema e museus como o Museu de Tecnologia e o Museu da Evolução. O edifício símbolo do comunismo tem 42 andares e foi um presente de Stalin, inspirado em correntes arquitetônicas novaiorquinas capitalistas (eu sei, parece bem controverso). No trigésimo andar há um mirante – com entrada paga – cuja vista noturna da cidade, dizem, é muito bonita. Não subimos para comprovar.

Palácio da Cultura e Ciência

Palácio da Cultura e Ciência iluminado à noite
Programa para um outro dia, praticamente atrás do palácio fica a Zacheta, Galeria Nacional de Arte, com entrada gratuita às quintas-feiras. Sua coleção de arte moderna é extensa e interessante. Ali na praça à frente está o Monumento às Vítimas da Tragédia de Smolensk de 2010 e o Monumento-Túmulo do Soldado Desconhecido.

Zacheta e Monumento às Vítimas da Tragédia de Smolensk de 2010 à esquerda

Monumento-Túmulo do Soldado Desconhecido
E cruzando a praça fica o Teatro Nacional, uma construção grandiosa, fundada em 1765 e com intensa programação, que vale uma visita noturna para acompanhar uma de suas óperas, peças, ballets, etc.
Atrás do teatro, passando pelo Monumento aos Heróis de Varsóvia e pela Coluna de Zygmunt III, fica a Cidade Velha (Stare Miasto), que abriga o Castelo Real de Varsóvia. Uma construção notável, de arquitetura barroca, que exibe em sua fachada detalhes elaborados e esculturas de figuras mitológicas e heróis poloneses. O Castelo original é do século XIV, mas foi no século XVI que o Rei Zygmunt III mandou erguer o que se vê hoje. Os aposentos já foram residência de reis, presidentes e membros do parlamento. O museu do Castelo está aberto a visitação e o tour inclui algumas das câmaras com todo seu esplendor.

Cidade Velha – Coluna Zygmunta III e Castelo Real
Em frente do Castelo está a Basílica Arquicatedral de São João Batista, praticamente toda reconstruída depois que os alemães a destruíram na 2a Guerra.

Foto da lagarta da mina-tanque alemã Golias que destruiu as paredes da catedral durante a Revolta de Varsóvia de 1944
A um quarteirão chegamos na praça Rynek Starego Miasta Warszawa, um cartão postal da cidade que, assim como na cidade velha de Estocolmo, abriga um velho poço de água. A diferença está na presença da estátua de uma sereia, erguida em 1855 e hoje um símbolo da cidade. No inverno, fica ali montado um ringue de patinação ao redor dela. Além de restaurantes e bares, as ruas que a cercam estão repletas de lojas, teatros, museus (Adam Michkiewicz e Museu de Varsóvia são dois deles) e outras atrações. A praça é um charme.

Rynek Starego Miasta Warszawa
No fim de uma das ruas a noroeste da praça está a casa em que nasceu Marie Curie (Maria Skłodowska-Curie), renomada cientista e vencedora de 2 Prêmios Nobel, única no mundo a ser indicada e vencer em duas categorias diferentes. A residência do século XVIII foi transformada em museu em 1967 e abriga jornais, fotografias, instrumentos de laboratório, documentos, moedas e medalhas.

Museu Maria Skłodowska-Curie
Se seguirmos a oeste, acompanhando os resquícios dos muros do Gueto, chegaremos no Palácio Krasiński, Palácio da República da Polônia, que estava fechado a visitação quando fomos, mas abriu em 2024. Ali em frente fica a Suprema Corte Polonesa e o Monumento à Revolta de Varsóvia, com seus soldados saindo das trincheiras.

Palácio Krasiński

Suprema Corte e o Monumento à Revolta de Varsóvia
Mais ao sul, saindo da Cidade Velha e seguindo pela Krakowskie Przedmieście, está o suntuoso Palácio Presidencial, que já foi propriedade particular de famílias aristocráticas, foi remodelado e reconstruído várias vezes, hospedou autores e defensores da Constituição de 1791, fez parte da estrutura governamental sob a ocupação russa, sede do Conselho de Ministros após a independência, foi ocupado pelos invasores alemães na 2a Guerra e, desde 1994, serve de residência oficial aos presidentes da república. Fico imaginando os fantasmas que por ali passeiam à noite…

Krakowskie Przedmieście

Palácio Presidencial
Ao lado do Palácio Presidencial está outro Palácio, pertencente à família Potocki até 1945, quando passou às mãos do governo. Colado fica a praça Adam Mickiewicz e a rica e adornada Igreja Carmelita.

Praça Adam Mickiewicz e Igreja Carmelita

Interior da Igreja Carmelita
Um pouco mais à frente está o grandioso e iluminado Hotel Bristol e a linda Igreja Católica Romana dos Visitantes.

Hotel Bristol

Igreja Católica Romana dos Visitantes

Interior da Igreja Católica Romana dos Visitantes
A rua é extremamente charmosa de dia e de noite e promete um passeio pitoresco, passando por diversos pontos de interesse na capital da Polônia. Ali estão também a Universidade de Varsóvia, a Academia de Belas Artes, a Igreja da Santa Cruz e o Monumento a Nicolau Copérnico, em frente ao Palácio de Staszic, que abriga o Instituto de Pesquisa Literária, um hospital infantil e até um teatro. E no fim da rua o Museu Nacional e o Museu Fryderyk Chopin.

Palácio de Staszic e Monumento a Nicolau Copérnico
Algo curioso que se vê pela cidade são os Bancos do Chopin. Eles estão espalhados pelas calçadas e parques, e cada um dos 15 exemplares possui encravado no granito um mapa com a localização de todos eles. Os bancos, desenhados pelo Professor Jerzy Porębski, possuem um botão que, ao ser apertado, toca um pedaço de alguma de suas famosas peças musicais.

Um dos 15 bancos de Chopin, situado no Parque Łazienki
Como ninguém pode ir à Polônia sem comer os deliciosos “pierogi” poloneses, na promenade tem um restaurante Zapiecek, que os serve com grande pompa, circunstância e sabor.

Zapiecek
Dia 3 – parques
Num terceiro dia na cidade pode-se visitar o Parque Łazienki, o maior de Varsóvia. A atração central do parque, o Pałac Łazienkowski (Palácio Łazienki), também chamado de Pałac na Wodzie (Palácio na Água) ou Pałac na Wyspie (Palácio na Ilha), foi originalmente construída em estilo barroco no século XVII por um arquiteto holandês, para ser um balneário privado para Stanisław Herakliusz Lubomirski. Em 1772 edifício foi alterado a pedido do Rei Estanislau II, que fez dele a sua residência de verão. Depois de mudar de mãos, ser danificado na guerra e reconstruído, hoje está aberto a visitação e abarca em seu interior 140 pinturas da Escola Flamenga.

Palácio Łazienki

Palácio Łazienki
O parque abriga um espaço externo para concertos, ao lado do Monumento a Chopin, um teatro na Old Orangerie, alguns palacetes, pavilhões com esculturas, cafés, restaurantes e lagos – há programa para o dia todo.
Ali o edifício de 160 anos Nova Orangerie é um espaço que combina uma estufa com sua coleção de plantas exóticas e o Restaurante Belvedere.

Nova Orangerie
Conclusão
Os três dias na cidade nos deram a chance de visitar seus mais importantes pontos históricos. Passamos um dia apenas nos concentrando na história judaica de Varsóvia e outro passeando por seus parques e outras ruas. Estivemos na Cidade Velha e arredores durante o dia e durante a noite, entre o Natal e Ano Novo, e pudemos apreciar seus palácios e monumentos, com as luzes natalinas em todo seu esplendor. Apesar do tempo encoberto e do frio, a expectativa que tínhamos de encontrar um ambiente opressivo e conservador, até hostil, que nos foi incutido por antepassados que de lá fugiram, não foi o que vivenciamos. Ainda bem que o tempo cura as feridas e as pessoas podem aprender com a história para não repetir o passado.
Para chegar em nosso destino seguinte, tomamos um trem até a Cracóvia. Siga o fio…
Crédito das fotos: Fabio Tagnin