Na Cracóvia, reservamos um dia e meio para a parte histórica, que inclui a Cidade Velha e o bairro de Kazimierz, e mais um dia para uma visita ao campo de extermínio Auschwitz-Bierkenau. Chegamos à cidade de trem, partindo de Varsóvia.
Como era época entre Natal e Ano Novo, rumamos ao hotel e de lá à Cidade Velha, cruzando com várias carroças de estilo antigo, puxadas por 2 cavalos sempre muito bem ornamentados, usadas para transporte e diversão de turistas.

Carroça turística
Por entre ruazinhas repletas de lojas chegamos à Rynek Glówny, a maior praça de mercado medieval da Europa. A Praça do Mercado, como é mais conhecida, é o ponto de parada de todo e qualquer turista que visite a cidade. Este quadrado de 200 metros de lado foi criado em 1257 e por ali já passaram procissões, festivais, competições e batalhas. Sob a praça existe um museu multimídia, Rynek Underground, e ao seu redor estão a Basílica de Santa Maria, a Torre da Prefeitura e várias lojas e restaurantes. Nesta época também há um mercado de comidas e acessórios natalinos e turísticos.

A rua principal que leva à praça

A Torre da Prefeitura
A Basílica de Santa Maria, também conhecida como Igreja de Nossa Senhora Assunta ao Céu, foi construída pela primeira vez no século XIII e depois reconstruída no século XIV. A igreja reconstruída segue o estilo arquitetônico gótico com suas duas belas torres. Em sua entrada principal há um portal barroco acrescentado à estrutura existente no século XVIII. Na torre mais alta, a cada hora, toca o famoso clarim da cidade – o hejnal mariacki – simbolizando o mítico trompetista tentando alertar a cidade sobre o ataque dos mongóis. Ali dentro há um retábulo de madeira construído durante 12 anos pelo artista alemão Veit Stoss, trazendo a representação do Quietus da Virgem Maria entre os apóstolos, e cercado pelas pinturas policromadas de Matejko, Wyspianski e Mehoffer.

Praça com a Basílica à esquerda, o mercado ao centro e a torre da prefeitura à direita
O shopping Cloth Hall (Sukiennice) fica bem no centro da praça e é uma das construções mais chamativas da Cracóvia. Aqui os comerciantes exportavam desde o Renascimento chumbo, sal, têxteis, entre outros itens e importavam seda, especiarias, couro e outros produtos exóticos do Oriente. O mercado abriga uma variedade de lojas em seus 2 andares, em sua maioria souvenires. No andar superior está o fantástico Museu Nacional da Cracóvia, instalado desde a década de 1880, com sua coleção de arte polonesa do século XIX.

Cloth Hall (Sukiennice)

Uma das lojas dentro do Cloth Hall
Andando em direção ao rio Vistula chega-se aos muros do Castelo Wawel, estabelecido por ordem do Rei Casimiro III, o Grande, e ampliado ao longo dos séculos com uma série de estruturas em torno de um pátio de estilo italiano. O castelo faz parte de um complexo arquitetônico fortificado erguido no topo de um morro na margem do rio Vístula, a uma altitude de 228 metros acima do nível do mar. Alguns dos edifícios de pedra mais antigos de Wawel remontam a 970 dC, além dos primeiros exemplos de arquitetura românica e gótica na Polônia. O atual castelo foi construído no século XIV e ampliado nas décadas seguintes. Em 1978, Wawel foi declarado o primeiro Patrimônio Mundial como parte do Centro Histórico de Cracóvia.

Castelo de Wawel visto do outro lado do rio

Castelo de Wawel visto da rua embaixo
Durante séculos o Castelo foi a residência dos reis da Polônia, até a transferência da capital para Varsóvia. Hoje, Wawel é um dos principais museus de arte do país, com coleções de pintura, gravuras, esculturas, têxteis do Renascimento italiano, ourivesaria, armas e armaduras, cerâmica, porcelana e móveis de época. O complexo do castelo ainda conta com a Catedral de Wawel, onde os monarcas polacos foram coroados e enterrados.

Catedral de Wawel
Desde o período inicial da história do Castelo de Wawel, conta-se o mito do Dragão Wawel. Às margens do rio, na parte baixa dos muros, fica uma moderna estátua de metal do dragão que cospe fogo – de verdade. A estátua está situada em frente ao Smocza Jama (Covil do Dragão), uma das cavernas de calcário espalhadas pela colina. O dragão, Smok Wawelski, era uma fera mística que supostamente aterrorizava a comunidade local, comendo suas ovelhas e virgens locais. Reza a lenda que o dragão precisava ser alimentado semanalmente com oferendas de gado, caso contrário voltaria a atacar os humanos. Querendo acabar com o dragão, o rei Krakus conclamou seus dois filhos, Lech e Krakus II mas eles não conseguiram inicialmente acabar com a criatura. Em vez de lutarem contra a fera, resolveram aplicar um truque, alimentando o dragão com um bezerro estufado com enxofre fumegante, conseguindo assim derrotá-lo. Porém, na discussão entre os dois irmãos para ver quem levaria os louros pelo feito, o mais velho Lech acabou matando o mais novo, e alegou em público que fora o dragão o autor da tragédia. Quando Lech tornou-se rei, sua traição foi revelada e ele foi banido do país. Assim a cidade foi fundada em honra a Krakus II, morto pelo irmão, e o palácio construído sobre o covil do dragão morto. A referência literária mais antiga conhecida ao dragão Wawel vem do século XII, na obra de Wincenty Kadłubek.

Dragão Wawel cuspindo fogo
Kazimierz
No dia inteiro em que passamos na Cracóvia, iniciamos passeando pelo castelo e ao meio dia reservamos um Free Walking Tour Judaico pelo bairro de Kazimierz. O encontro com a guia foi em frente à Antiga Sinagoga, construída no século XV por imigrantes judeus da República Tcheca, dentro da comunidade judaico-polonesa. O espaço foi saqueado e transformado em armazém pelos nazistas na 2a Guerra e reconstruído após o fim da mesma. Hoje é uma das mais valiosas sinagogas judaicas ortodoxas da Europa e parte do Museu Histórico de Cracóvia, que reflete a vida cotidiana da comunidade judaica que vivia em Kazimierz antes da 2a Guerra Mundial.

Antiga Sinagoga
Kazimierz foi fundada como cidade independente pelo rei Kazimierz III no século XIV e serviu durante vários séculos como centro da vida judaica na Polônia. Além da Velha Sinagoga o bairro abriga também a Sinagoga Remuh, que possui o cemitério judaico mais antigo da cidade (Remah), e a Sinagoga Isaac, a maior numa área repleta de antigos locais de culto.

Cena de uma das praças no bairro judaico
Em seguida passamos pelo Centro Comunitário Judaico, que reúne a herança da cultura e história judaicas na Polônia e ficamos impressionados por seu amplo apoio à comunidade LGBTQIA+, visível pelas decorações de sua fachada colorida.

Centro Comunitário Judaico
Seguimos a rua até a Plac Nowy, ou Nova Praça, conhecida por suas barracas de comida que vendem culinária típica.

Plac Nowy
Atravessamos a ponte Padre Bernatek, com suas esculturas de bailarinos suspensos e chegamos à outra margem do rio. Assim como em várias pontes famosas, os amantes deixam ali em suas grades seus cadeados simbolizando a união eterna que esperam ter.

Ponte Padre Bernatek e suas esculturas

Como em muitas pontes famosas, os amantes deixam ali seus cadeados
Um pouco mais adiante está a Praça dos Heróis do Gueto (Bohaterów Getta Square). Ali, durante a 2a Guerra Mundial, eram selecionados os judeus que iriam ser transportados para os diferentes campos de concentração e extermínio nazistas. Há esculturas de cadeiras espalhadas pela praça, simbolizando tudo o que foi deixado para trás no caminho para a morte.

Cadeira na Praça dos Heróis do Gueto
A comunidade judaica na Cracóvia era de mais de 64 mil pessoas antes da guerra, mais ou menos 1/4 de toda a população. Depois do início da guerra e de muitas deportações forçadas, sobraram no bairro cerca de 16 mil judeus que, em 1941, foram forçados a se realocar para dentro de uma “área residencial judaica”, que na realidade era um gueto cercado de muros de 3m de altura, com 4 entradas/saídas. No espaço havia 320 residências, antes ocupadas por 3.500 pessoas, que haviam sido forçadas a saírem de lá também. Ao longo dos anos seguintes, muitas restrições foram impostas aos habitantes do gueto, que já se apertavam em uma média de 50 por casa, reduzindo muito seu contingente por mortes, até que em março de 1943 os alemães realizaram a liquidação final de todos os habitantes, enviando os mais capazes de trabalhar para um campo de concentração e matando os mais velhos, as mulheres, crianças e doentes que haviam sobrado.
No canto da praça permanece aberta a farmácia mais antiga da Polônia, a Farmácia da Águia (Apteka pod Orłem). Na época da guerra, era gerenciada por Tadeusz Pankiewicz, um polonês que em breve tornou-se o único não judeu dentro do gueto. O homem justificou aos alemães seu pedido de permanência no local, salientando que a única farmácia do gueto seria útil no caso de uma epidemia. Aberta 24 horas por dia, 7 dias por semana, a farmácia era o ponto de encontro secreto do movimento clandestino e um ponto de contato onde eram entregues alimentos e medicamentos às pessoas que viviam no gueto.

Praça, cadeiras e a farmácia ao fundo
Seguindo por uma das ruas que saem da praça e atravessando os trilhos da ferrovia, chegamos à famosa Fábrica de Schindler, hoje um museu. No caminho, é possível passar por alguns becos onde foi rodado o filme A Lista de Schindler.

Um dos cenários onde foi rodado o filme
Auschwitz-Birkenau
O campo de concentração e extermínio de Auschwitz merece um dia inteiro de dedicação. Fizemos essa visita a partir da Cracóvia, de ônibus, por meio da Civitatis. Assim como outros campos abertos a visitação na Polônia, essa visita deveria ser parte integrante da agenda de qualquer turista ou habitante do país, qualquer que seja sua religião ou crença. Hoje um museu controlado, na época da 2a Guerra o complexo abrangia o campo principal e centro administrativo Auschwitz I, o campo de extermínio Auschwitz II–Birkenau, o campo Auschwitz III–Monowitz e mais 45 campos satélites.
Entre o começo de 1942 e o fim de 1944, judeus de toda a Europa ocupada foram transportados para o campo de Auschwitz. Segundo o museu, mais de 1,3 milhão de pessoas foram deportadas para esse campo e a maioria morreu nas câmaras de gás. Outras tantas pereceram de fome, doenças e experimentos médicos. Do total, 1,1 milhão eram judeus. O restante era composto de 150 mil poloneses, 23 mil romas, 15 mil prisioneiros de guerra soviéticos, e 25 mil de pessoas de outros grupos étnicos. Dos 1,1 milhão que morreram, 90% eram judeus.
Durante o processo de seleção, ainda na plataforma de trem, aqueles que eram marcados para a morte nas câmaras de gás recebiam a notícia de que iam tomar um banho. Dentro das câmaras havia chuveiros falsos e as vítimas eram espancadas e forçadas pelos soldados e seus cães raivosos a entrar nas câmaras. Ali elas compartilhavam com outras 2 mil pessoas uma área de apenas 210 m2. As portas eram fechadas e os nazistas insuflavam gás Zyklon B dentro da câmara. Depois, os corpos eram revistados em busca de dentes de ouro e jóias, seus cabelos eram raspados e os corpos jogados nos fornos do crematório. Todos os documentos das vítimas eram sumariamente destruídos.

Trilhos da ferrovia, onde chegavam os trens de prisioneiros

Fornos das câmaras de extermínio
A libertação dos prisioneiros dos campos ocorreu em 27 de janeiro de 1945 – data em que hoje em dia se comemora internacionalmente o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto – e desde 1947 há no lugar um museu a céu aberto que recebe anualmente mais de 2 milhões de pessoas, e que passam sob seu portal de entrada que diz “o trabalho liberta”.

Portal de entrada do campo de concentração

Entrada do complexo cirúrgico onde eram realizados experimentos nos prisioneiros

O arame-farpado cercando todo o campo

Flocos de neve em forma de estrela caíam durante nossa visita
Conclusão
Deixamos de ver nesta viagem a Mina de Sal Wieliczka, que estava fechada nos dias em que estivemos na Cracóvia. Dizem que é um passeio de meio dia bem interessante, partindo do centro da cidade.
Para chegar em nosso destino seguinte, tomamos um trem até Praga, na República Tcheca. Siga o fio…
Crédito das fotos: Fabio Tagnin