O país existe como Estado independente desde 1993, quando houve a separação da Tchecolslováquia entre Eslováquia e a República Tcheca. A Tchecoslováquia havia sido fundada após o fim da Primeira Guerra Mundial e a queda do Império Austro-Húngaro, tendo sida incorporada temporariamente pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial e, após o fim da guerra, permaneceu sob a órbita da União Soviética. O país teve uma revolução em 1989, que permitiu a sua redemocratização, mas permaneceu um Estado Comunista até a sua divisão em 1993.
Praga, sua capital, fica às margens do rio Moldava e possui um extenso patrimônio arquitetônico e cultural. Passamos ali três noites e três dias, chegando de trem da Cracóvia e partindo de carro até Munique, na Alemanha. Foi lá que viramos o ano de 2019 para o fatídico 2020.
A viagem de trem partindo da Cracóvia é tranquila, mas leva quase 7 horas. E passa batido por um lugar que achamos interessante visitar, mas não pudemos, que é Kutná Hora, que abriga uma capela gótica cujo interior é inteiro decorado com cerca de 70 mil ossos de esqueletos humanos. Conhecida como Ossuário Sedlec, conta a história que em 1278 um padre local foi enviado a Jerusalém pelo Rei da Boêmia com o objetivo de trazer um pedaço da Terra Santa para seu território. Uma vez que esse “pedaço” foi colocado sobre um pedaço de terra local, todo o mundo queria ser enterrado ali.
Dois séculos depois, foi construída uma igreja ao lado do antigo cemitério e, nos porões da construção no estilo gótico, restavam muitos restos humanos. Em 1870, um artista local, Frantisek Rint, foi incumbido de renovar a igreja e expor os restos humanos do porão de uma forma artística. No processo, limpou todos os ossos que encontrou e os arranjou no interior da igreja. Hoje é um passeio interessante para quem está em Praga e tem tempo sobrando.
A principal atração de Praga é a Praça da Cidade Velha (Staroměstské náměstí). Como era fim de dezembro, ali estava montado um incrível Mercado de Natal, em meio às famosas construções que rodeiam o espaço. Seu principal elemento é sem dúvida o Relógio Astronômico, cujo ritual horário atrai multidões. Construído em 1410, é considerado o relógio astronômico em funcionamento mais antigo do mundo. Em suas coroas estão as fases da lua, estações do ano e até alguns feriados religiosos.

Relógio Astronômico
Se tiver saúde física, pode subir os estreitos degraus da Torre do Relógio Astronômico, no edifício da Prefeitura, que oferece uma bonita vista da cidade. Ali há também uma capela e algumas salas históricas interessantes.

Multidão aguardando a hora cheia do Relógio Astronômico
Outra atração é a Igreja Nossa Senhora Diante de Týn, cujo semblante gótico é um marco em si e cujo interior vale uma visita. Foi erigida em 1385 pelos Hussitas, que na época estavam sendo dizimados pelos Católicos Romanos. Mais tarde os jesuítas a tomaram e trocaram o antigo sino por uma estátua de Maria. Note que as torres não são simétricas, e representam, segundo os escritos, as partes masculina e feminina do mundo (adivinhem qual a maior?). Há quem diga, de curiosidade, que essa igreja foi a inspiração para o Castelo da Bela Adormecida, de Walt Disney.

Igreja de Nossa Senhora Diante de Týn
A Igreja de São Nicolau é outro ponto de interesse, uma construção barroca pertencente à Igreja Hussita Tchecoslovaca, fundada por Jan Huss e uma dissidência da Igreja Católica.

Igreja de São Nicolau ao fundo com a torre do Relógio Astronômico à esquerda

Monumento a Jan Huss
A leste da praça fica a Torre da Pólvora (Prašná Brána), portão da cidade construído no século XV e reformado após danos causados na Batalha de Praga. A subida ao topo da torre permite uma vista da cidade velha. E ao seu lado está a sala de concertos Casa Municipal (Obecní dům), cuja visita oferece um banho de art déco e art noveau aos interessados.

Torre da Pólvora e Casa Municipal
Ao sul da praça fica o Mercado (Havelské tržiště), uma feira que funciona todos os dias desde 1232, com barracas de frutas, legumes, queijos, frios, artesanatos e souvenirs.

Havelské tržiště
Retornando à praça, seguimos para a Ponte Carlos, passando por sua marcante Torre, em direção ao Castelo de Praga. A ponte em si é uma grande atração, com várias esculturas em seu percurso. É um ícone da cidade, tanto para quem a percorre, quanto para quem a avista de longe.

Torre e Ponte Carlos
Uma de suas esculturas, a de São João Nepomuceno, atrai turistas que querem seguir a lenda de que, ao passarem a mão aos seus pés e fazerem um pedido, voltarão certamente a visitar a cidade.

Estátua de São João Nepomuceno, com Castelo de Praga ao fundo
No final da rua da ponte há uma outra Igreja de São Nicolau. Mas o que vale mesmo nesse passeio são as vistas, as fachadas das casas e o movimento fervoroso da cidade. Uma sugestão a partir daqui é pegar um transporte público para chegar no Parque Petryn. De lá de cima tem-se uma vista incrível da cidade velha e do Castelo. Fique para ver o pôr do sol e depois desça à cidade de bondinho.

Vista da Catedral de S. Vito a partir do Parque Petryn
Deixamos a visita ao Castelo de Praga para o dia seguinte. Há transporte público até bem perto do castelo e, a partir dali, o caminho para a entrada é curto e tem somente alguns degraus. A visita ao complexo pode ser feita apenas pela parte aberta – gratuita – ou pode incluir as salas históricas, torres, igrejas e museus – atrações pagas. A Catedral de São Vito tem uma área aberta, mas para subir em sua torre é preciso comprar um ingresso separado. A vista vale.

Catedral de São Vito
Saindo do Castelo, pode-se subir um pouco mais em direção ao Mosteiro de Strahov, para visitar sua bonita biblioteca e o mirante, e ter uma vista de cima que inclui o Parque Petryn, o Castelo de Praga e sua Catedral, e a Cidade Velha lá embaixo.
Descendo de novo em direção ao rio, passamos pelo Muro de John Lennon, com seus graffitis icônicos e extremamente instagramáveis.

Muro de John Lennon
Seguimos novamente pela Ponte Carlos até a Cidade Velha, para dar uma volta na beira do rio, em direção sul. Passando pela ponte Legia, chegamos à ponte Jirásek, em cuja esquina fica a famosa Casa Dançante (Tančící dům), projetada pelo arquiteto Frank Ghery.

Casa Dançante de Frank Ghery
Retornando em direção à ponte Legia, avistamos agora a cidade iluminada até chegar ao Teatro Nacional.

Teatro Nacional

Vista da cidade à noite a partir da ponte Legia
Seguindo em frente pela rua da ponte Legia, terminamos o dia na Praça Venceslau (Wenceslas), centro comercial da cidade nova e local do Museu Narodni. Além deste, um outro museu interessante é o DOX Centre for Contemporary Art.

Praça Venceslau, Museu Narodni ao fundo
O terceiro dia dedicamos a visitar a história judaica na cidade. Os primeiros relatos de uma comunidade judaica em Praga aparecem no século X. Durante quase duzentos anos a comunidade cresce e floresce, até que no século XII, depois de vários ataques e pogroms, os judeus da cidade foram confinados a um gueto nas margens do rio Moldova, ao norte da cidade. Em 1254 os judeus foram finalmente protegidos da perseguição pelo rei Ottokar II da Boêmia. Apesar de serem considerados como ‘parceiros reais’, ainda tinham que pagar altos impostos à coroa. Porém, na Páscoa Judaica (Pessach) de 1389, os judeus foram acusados de ‘vandalizar a hóstia eucarística’ e, como consequência, 3 mil homens, mulheres e crianças judias foram mortos nas ruas, casas e sinagogas do gueto. Após esse pogrom, muitos judeus fugiram para a Hungria e para a Polônia.
A partir do início do século XVI, a nobreza da Boêmia recuperou os antigos privilégios dos judeus de Praga, o que criou um ambiente mais aberto e permitiu que a população judaica crescesse, inclusive incorporando muitos imigrantes que haviam sido expulsos de seus países, como a Morávia, Alemanha, Áustria e Espanha. Foi então que começou o reinado dos Habsburgos. Nos anos de 1542 e 1561 os judeus foram expulsos duas vezes da cidade. Mas alguns anos depois retornaram e, durante os reinados de Maximilian II e Rudolf II a comunidade judaica voltou a se fixar na região, até que no início do século XVIII eles já eram um quarto de toda a população de Praga. Mas como tudo o que é bom tem um fim, com sua ascensão ao trono, a intolerante Imperatriz Maria Theresa expulsou novamente os judeus de Praga, entre 1745 e 1748. E foi somente em 1782, com um decreto do Imperador Joseph II, que foi instituída no Império Habsburgo a tolerância religiosa, fazendo com que os judeus pudessem voltar à vida ativa na cidade. Daí o nome atual do bairro judaico, a noroeste da Cidade Velha, Josefov.
É importante notar que em 1939 havia cerca de 92 mil judeus vivendo em Praga, perfazendo quase 20% de sua população. Depois da Segunda Guerra Mundial, com os horrores do Holocausto, pelo menos dois terços da população judaica havia sido erradicada.

Pedaço da parede do Museu Judaico com os nomes de vítimas do Holocausto
A partir da Praça da Cidade Velha, seguimos em direção norte pela rua Pařížská, repleta de lojas de grifes, para visitar a Sinagoga Velha-Nova (Staronová synagoga), o Antigo Cemitério Judaico colado à Pinkasova Synagoga, e a Sinagoga Espanhola. Em conjunto, esses três lugares compõem o que eles chamam de Museu Judaico.
A Sinagoga Velha Escola era a mais antiga de Praga, mas foi destruída e reconstruída em 1270, com o nome de Nova Escola, em estilo gótico. Hoje é conhecida como a Velha-Nova Sinagoga.

Sinagoga Nova-Velha
O Antigo Cemitério Judaico é um dos mais velhos da Europa, tendo estado ativo desde 1439 até 1787. Estima-se que estejam enterradas ali mais de 200 mil pessoas. Como a sua área é pequena, sob algumas lápides há até doze tumbas.

Antigo Cemitério Judaico
Durante o fim do século XV e fim do século XVII quatro grandes sinagogas foram construídas no gueto judaico: a sinagoga Pinkas (1479), a sinagoga Alta (1568), a sinagoga Maisel (1591), e a sinagoga Klausen (1694). Em 1868 foi erguida a Sinagoga Espanhola, mas um outro templo, inaugurado em 1896, a sinagoga Vinohrady, foi destruído por um bombardeio durante a Segunda Guerra. E em 1906 foi erguida a sinagoga Jerusalém. Alguns nomes famosos que frequentaram essas sinagogas incluem Franz Kafka, Milos Forman e Madeleine Albright.
Ao fim de um dia desses, nada melhor que afogar as mágoas pelos destinos cruéis de antepassados com uma cerveja. Afinal, os tchecos são os que mais consomem a bebida no mundo. Há relatos de que a média consumida por alguns frequentadores de pubs em Praga é de NOVE pints (meio litro cada) por noite. E a ‘cerveja da casa’ em geral é sempre a melhor pedida nos restaurantes.
Conclusão
Infelizmente não pudemos passar mais tempo na cidade, que certamente é um lugar para retornar. Há também alguns passeios que se podem fazer partindo da cidade, como o já mencionado Ossário em Kutná Hora, à cidade de Carlsbad, ou à cidade de Terezín, onde fica um dos inúmeros campos de concentração do Holocausto nazista.
Na manhã seguinte, fomos à locadora buscar o carro que alugamos, para tomar a estrada em direção à Alemanha. E quisemos passar no Castelo de Karlštejn, e depois em Pilsen, que ficavam em nosso caminho. Mas ao querermos estacionar no castelo, entramos numa rua que era contra-mão, seguindo o GPS do Waze, e levamos uma multa de 50 Euros ali, na lata. Ficamos tão inseguros com a sinalização, que resolvemos seguir viagem direto para Munique sem visitar o castelo ou Pilsen. Segue o fio…
Crédito das fotos: Fabio Tagnin