Entre março e abril de cada ano as cerejeiras do país florescem (época do sakura, a flor de cerejeira) e criam cenários que só imaginamos em contos de fadas. As várias espécies desta árvore não florescem, porém, de uma vez só. Há uma certa harmonia e ordem, como tudo no Japão.
Em abril de 2018, tínhamos umas milhas que iam vencer e resolvemos reservar os vôos para o Japão no ano seguinte. Uma pesquisa na internet revelou que o sakura estava previsto para o início de abril em 2019. E é quando o país inteiro pára para fazer o hanami. A palavra é formada pelos kanji “flor” e “ver” e pode ser traduzida como “contemplar as flores”. Já yozakura (yo para “noite” e zakura para “cerejeira”) é o termo que se usa para a contemplação à noite.
Assim, planejamos chegar em Tokyo no final de março, e passear no país durante as duas primeiras semanas de abril. E tivemos uma sorte tremenda de visitar as diferentes cidades bem na ordem em que as cerejeiras iam florescendo e pintando – literalmente – o chão e o céu de cor de rosa, ou de sakura-iro, o tom de cor que os japoneses “criaram” para descrever a cor dessas flores.

Cerejeiras à beira do rio em Osaka
Sakura
A peculiaridade dessas plantas é que, na primavera, seus brotos nascem e em pouco tempo as flores se abrem, permanecendo abertas por alguns dias, para depois caírem de uma só vez. Esse período de floração curto é relacionado com os conceitos de mujōkan (percepção da evanescência da vida) e wabi-sabi (enxergar a beleza na imperfeição e aceitar a transitoriedade), que fazem parte da estética e espiritualidade japonesas.
Apesar de haver 10 tipos de cerejeiras nativas no Japão, e mais de 600 derivadas, são duas as espécies mais plantadas no país: a yamazakura, cuja flor é branca e floresce junto com a brotação das folhas; e a somei-yoshino, cujas flores têm cinco pétalas rosa-claro e folhas que nascem depois que as flores caem. A somei-yoshino começou a ser plantada por todo o país somente na virada do Período Edo para o Período Meiji (1868-1912) e hoje a maioria das sakura no Japão são dessa espécie.

Yamazakura

Somei-yoshino
Nossa chegada em Tokyo aconteceu pouco depois de 27 de março, dia da celebração oficial do Sakura, ou do início da Primavera. Apesar da florada das cerejeiras começar nas regiões do sul do país e ir subindo para o norte, pelo fato do sul possuir um clima mais quente, nossa jornada começou na capital e foi descendo, para as regiões de Kyoto, Hiroshima e Osaka. Ao retornar a Tokyo para a volta, apenas 10 dias depois de estarmos lá, visitamos novamente um de seus parques de cerejeiras e a visão estava completamente mudada: a maioria das flores que vimos em seu auge na chegada ao Japão havia caído e poucas árvores restavam floridas. Ainda assim, o parque atraía turistas e locais para aproveitar o restinho do sakura e fazer seu hanami.

A previsão nos colocava nos lugares certos, na hora certa
Roteiro
Em 11 dias de viagem, resolvemos fazer um roteiro enxuto. Há decerto muitas outras cidades que valem ser visitadas, dependendo da intenção e da época do ano. E há que se contar os 3 dias de deslocamento Brasil-Japão-Brasil. Separei o que fizemos em cada cidade em 4 posts diferentes, para facilitar a leitura.
- Tokyo – 3 dias
- Kyoto, Arashiyama, Nara – 4 dias
- Hiroshima, Miyajima – 2 dias
- Osaka – 2 dias
Deslocamentos
O sistema ferroviário japonês é um dos mais pontuais do mundo, com trens normalmente circulando no horário de segundo. Por isso, adquirimos online com antecedência um passe de trens por 14 dias na JR Pass. Com ele, pudemos fazer todos os trajetos sem nenhuma dor de cabeça, é super recomendável. Há trens ligando todas as cidades que visitamos e, onde não havia, as opções de barco ou ônibus eram igualmente tranquilas. Dentro das cidades, demos preferência ao ônibus sempre que podíamos, para apreciarmos as vistas e conhecermos os caminhos. Quando o deslocamento tinha que ser mais rápido ou era mais longo, o metrô funcionou perfeitamente. Em Tokyo, por exemplo, a linha de metrô Yamanote também é coberta pelo JR Pass, e em Osaka o OsakaLoop também.
Gente
O Japão é um país de gente educada e gentil. Ali, diferente da China, todo mundo espera sua vez nas filas, não existe empurra-empurra no metrô, todos evitam esbarrar nas outras pessoas na rua e, se alguém vê você meio “perdido” com um mapa na mão, se aproxima para tentar ajudar, mesmo não falando inglês e sacando pela nossa cara que não falamos japonês.
O país tem a maior esperança de vida do mundo, com uma média de vida de cerca de 85 anos. Mas tem mais de 50.000 pessoas com mais de 100 anos de idade, o que o torna um dos líderes mundiais em centenários. Em sua maioria muito bem de saúde e passeando pelas ruas.

Oração no parque
Religião
Os japoneses convivem pacificamente com várias vertentes religiosas, sendo o xintoísmo a religião politeísta mais antiga da região. “Shinto” significa “caminho dos deuses” e eles são muitos. Entre as divindades Kami que regem a natureza há deuses maiores e menores, cada um cultuado e adorado conforme sua razão de ser, em altares espalhados por santuários.
Nos santuários xintoístas há sempre pavilhões onde os fiéis penduram pequenas tábuas votivas (ema), amuletos da sorte coloridos (omamori), e bilhetes com orações (omikuji), clamando por sucesso nas provas escolares e no trabalho, proteção no trânsito, equilíbrio na família e nos relacionamentos, garantia de fertilidade e proteção durante a gravidez e parto, e saúde.
Já o budismo é uma religião baseada nos ensinamentos de Buda e na esperança de alcançar a iluminação quebrando o ciclo de reencarnações. Durante muito tempo as duas religiões evoluíram e se misturaram no Japão. A coabitação terminou quando o xintoísmo se tornou religião oficial durante o período Meiji (1868-1912). Os santuários xintoístas foram “purificados” e o budismo foi perseguido e acusado de ser uma religião estrangeira.
A diferença entre um santuário xintoísta e um templo budista é quase óbvia. No templo budista, o acesso é marcado por um pórtico sagrado (torii) vermelho, que delimita o espaço, além de ter uma corda feita de palha de arroz (shimenawa). O templo budista consiste em um edifício coberto, o mon, abrigando as estátuas das divindades protetoras Agyô e Ungyô, ou as divindades protetoras das quatro direções. Os templos são sempre designados pela palavra dera, como em Kyomizu-dera, ou recebem o sufixo ji, como em Kinkaku-ji.
Já o santuário xintoísta consiste principalmente de dois edifícios: o haiden, onde acontecem as cerimônias, abertas ao público, e o honden, um edifício fechado, reservado aos deuses e aos objetos que os personificam. Não há estátuas nos santuários, uma vez que as divindades xintoístas não são representadas. Os santuários são geralmente chamados de jinja, como em Yasaka-jinja, ou taisha, como em Fushimi Inari Taisha, ou têm seus nomes seguidos do sufixo gu, como em Tosho-gu.
Educação
Não se vê lixo no chão, e não há lixeiras nas ruas. Por conta de um atentado terrorista, elas foram removidas, e as pessoas são encorajadas a guardarem seus lixos consigo e jogarem fora no cesto de casa. Por isso, é considerado falta de educação comer andando pelas ruas, porque você não vai ter onde jogar o lixo. Há placas indicativas em vários lugares, portanto coma sempre em frente ao lugar em que comprou a comida, pois lá certamente terá onde descartar o que sobrar.

Essas placas estão em todo lugar

A falta que as lixeiras fazem: onde elas existem, estão sempre transbordando
Vestimenta
As ruas, pelo menos nessa época do sakura, estão sempre cheias de cosplayers, em geral moças em trajes típicos ou vestidas de animê, inspiradas nos mangás japoneses, arrastando seus companheiros para que as fotografem, sob os cenários mais deslumbrantes das cerejeiras em flor. Há lojas que alugam os mais diversos trajes para que turistas possam fazer seus próprios ensaios fotográficos.

Propaganda em uma loja de aluguel de quimonos

Tudo parece ser fotografável e instagramável
Comida
Ah, muitos restaurantes exibem em suas vitrines mock-ups (modelos de comida feitos de plástico) de cada um de seus pratos para que os clientes escolham com mais facilidade. Passamos por algumas lojas que vendem esses modelos de plástico, a variedade de comidas ali é incrível! Mas o fato é que realmente isso ajuda os estrangeiros que não lêem nem falam o japonês. Ah, nada de dar gorjetas em restaurantes e outros serviços, pois isso é considerado falta de educação.
Uma curiosidade: apesar da rica e diferente culinária, o Japão tem mais de 3.000 restaurantes McDonald’s, o segundo maior número de lojas da rede no mundo, após os Estados Unidos. Não visitamos nenhuma, não houve necessidade. 😉

Vitrine de restaurante em Shibuya

Vitrine de uma loja de “elementos culinários” de plástico (fake food)

Cardápio de um restaurante italiano, sem fake food na vitrine
Banheiros
Finalmente, precisamos falar da tecnologia das privadas japonesas. O que é aquilo, gente? Na maioria dos lavatórios públicos – e nos hoteis também – as latrinas têm um painel de controle com uma série de botões, cada um com sua função para tornar a sua experiência de número 1 ou número 2 mais rica e agradável. Pra começar, um botão abre ou fecha a tampa ou levanta o assento automaticamente, para que você não contamine suas mãos. Ao sentar, você percebe que o assento é quente, pra não causar aquele arrepio quando a gente tira a calça quentinha e encosta em algo gelado. Há um botão que solta um jatinho d’água – com direção controlável – para limpar suas partes íntimas, da frente ou de trás, e outro sopra um arzinho quente pra secar. Se você precisa de ajuda para se concentrar, ou para disfarçar os sons que você emite ao fazer o número 2, tem um botão que toca uma música ambiente. E ao se levantar, a descarga aciona automaticamente – mas você também pode acionar manualmente. E durante o tempo em que estiver sentado, algumas soltam um fiozinho de água, que faz um barulhinho que ajuda a soltar o número 1. É inacreditável!

Privada tecnológica
Gueixas Preste atenção nas vestimentas das moças japoneses que andam com seus ornamentos tradicionais e saiba distinguir as roupas de Gueixas das Oiran. Essas últimas eram cortesãs de alta classe no Japão. Seu nome é composto por 2 kanjis, significando “flor” e “líder”. Elas se diferenciam das Geishas, não só na aparência, mas também nos serviços. Embora ambas cultivavam a arte da dança, música, caligrafia e conversação, entre outras artes, as Oiran eram prostitutas de luxo, selecionadas e teinadas desde jovens e seus serviços eram sexuais, enquanto as Geishas realizavam serviços puramente de entretenimento. Durante o período Edo (1600-1868), a prostituição era legalizada e as prostitutas, como as Oiran, estavam autorizadas pelo governo. Em contrapartida, as Gueixas eram estritamente proibidas de se prostituirem e estavam oficialmente proibidas de terem relações sexuais com seus clientes. Elas deveriam ser solteiras e, caso decidissem se casar, deveriam se retirar da profissão. Fisicamente se distinguia uma Oiran de uma Geisha por diferentes detalhes em suas indumentárias: a forma mais fácil era através do seu obi (laço) – as Oiran atavam seu obi para a frente, as Gueixas para trás; os kimonos das Oiran eram de cores mais chamativas do que os das Gueixas; as getas (calçados) das Oiran eram muito mais altas dos que aquelas usadas pelas Gueixas; as Oiran usavam penteados mais complexos e adornados do que as Gueixas e, além disso, as Oiran não usavam tabi (meia tradicional japonesa) ou quaisquer meias. A cultura das Oiran foi tornando-se cada vez mais exclusiva e afastada da vida diária no Japão e os seus clientes diminuíram. A ascensão das Gueixas também contribuiu para o fim a era das Oiran. A Gueixa era muito mais acessível ao visitante casual da época. A última Oiran registrada foi em 1761 e as poucas mulheres restantes que ainda atualmente praticam as artes de Oiran (sem o aspecto sexual) fazem-no para uma preservação da herança cultural e não como uma profissão ou estilo de vida. |
Geografia O Japão possui mais de 6.800 ilhas, estendendo-se por 3.000 Km de norte a sul, sendo as quatro maiores Honshu (por onde andamos), Hokkaido, Kyushu e Shikoku. Dessas ilhas, 6.000 são desabitadas. E há uma delas, Ōkunoshima, que é populada somente por coelhos! No país de mais de 200 vulcões, 108 deles são considerados ativos, e sua localização geográfica no Anel de Fogo do Pacífico o torna palco de mais de 1.500 terremotos todos os anos. |
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Crédito das fotos: Fabio Tagnin