Como mencionei ali no roteiro de Tallin, a grande “razão” para esta viagem foi visitar uma amiga que mora em uma das ilhas da Estônia, aproveitando também uma corrida de rua que ia acontecer em Tallin em setembro de 2023. A Finlândia entrou no programa porque Helsinki era a escala perfeita para se chegar à capital estoniana.
Como já virou praxe em nossas viagens, reservamos um Free Walking Tour via Guru Walk em Helsinki e deixamos o restante do programa em aberto, para fazermos com calma, a depender do clima. Passamos ali 4 dias inteiros, sem contar os de chegada e de saída, e foi o suficiente para conhecermos bem não apenas os pontos mais interessantes e notáveis da gostosa cidade, mas para visitarmos uma outra cidadezinha ao norte, muito simpática, chamada Porvoo.
A Finlândia é o oitavo país da Europa em extensão territorial, mas o que tem a menor densidade demográfica. Geograficamente, tem um terço de seu território composto por mais de 180 mil lagos. Entre eles, muitas florestas e cenários deslumbrantes. E como o frio é intenso no norte do país, a maioria da população está concentrada mais ao sul. A língua oficial é o finlandês, extremamente difícil de entender para o brasileiro e outros falantes das línguas latinas, pois não deriva da mesma árvore linguística da maioria das que conhecemos – fazem parte da família do estoniano e húngaro. E as crianças aprendem também o sueco nas escolas públicas, como segunda língua. Nas ruas das maiores cidades, as placas indicativas estão todas em finlandês e sueco, um resquício da dominação da região nos séculos passados. E alguns quarteirões de Helsinki têm identificação por animais, para facilitar a identificação por estrangeiros.
O salmão é o principal peixe que popula os pratos comidos no país, prepardo de tudo quanto é jeito. O alce e o urso são os símbolos do país, mas isso não os impede de comer como iguarias caras as carnes desses animais.
A capital do país, Helsinki, tem cerca de 600 mil habitantes, foi eleita uma das melhores cidades para se morar e é um lugar seguro onde as coisas realmente parecem funcionar. A cidade tem diversos parques, museus, portos, bares e restaurantes e até uma praia, de água beeem gelada! Para visitar, caminhamos. Muito. Mas é a melhor maneira de conhecer tudo.
Helsinki
Chegando de Tallin por via aérea, fomos direto ao hotel Hilton Helsinki, de ônibus. Fizemos check-in e saímos apenas para jantar em um restaurante ali perto.

Vista da ponte que leva à Praça do Senado, com nosso hotel à direita
Já pela manhã, caminhamos do hotel à Praça do Senado, de onde sairia nosso Free Walking Tour às 10h30. O programa levou 2h30min e passou pelos pontos mais importantes da cidade.
Iniciamos na própria Praça do Senado, onde está a Catedral Luterana Tuomiokirkko, o Palácio do Governo, a Universidade de Helsinki e a Biblioteca Nacional. A Catedral é uma obra do arquiteto finlandês Alvar Aalto e suas cúpulas lembram as da catedral ortodoxa russa de Tallin, com seus domos escuros e crucifixos dourados. Mas as semelhanças terminam aí.

Catedral Luterana de Helsinki, Tuomiokirkko

Interior da Catedral Luterana de Helsinki, Tuomiokirkko

Biblioteca Nacional

Interior da Biblioteca Nacional

Universidade de Helsinki
Descendo uma das ruas da Praça do Senado, encontramos a Praça do Mercado, na beira do porto, um lugar repleto de barraquinhas de comidas de rua e souvenires.

Praça do Mercado
Ali ao lado da praça é que fica a Roda Gigante da Finnair, em que uma das gôndolas abriga – atenção – uma sauna!

Roda Gigante – a gôndola marrom é onde está a sauna
Em frente à Roda Gigante foi construído um complexo aquático público com uma piscina natural, de água do mar, uma piscina de água doce e, claro, uma sauna.

Complexo aquático público
E atrás da Roda Gigante, sobre uma pequena colina de pedra, está a imponente e vermelha Catedral Ortodoxa Uspensky, uma construção do século XIX projetada pelo russo Aleksei Gomostayev.

Catedral Ortodoxa Uspensky
Nos esgueirando por uma das ruas que saem da Praça do Mercado, passamos pelo Esplanadi Park (o Champs Elysees de lá). É onde fica a estátua Havis Amanda (que infelizmente estava fechada para reforma) e alguns bons, charmosos – e caros – restaurantes.
Subindo a avenida no final do parque, chegamos na Estação de Trem Central, uma construção imponente, que abriga alguns bons restaurantes, como o Olivia, onde jantamos no final do dia.

Estação Central de Trens
Um pouco mais ao norte, ao redor de uma enorme praça, está a moderna Biblioteca Central Oodi, cuja proposta, aberta para consulta pública, foi oferecer aos finlandeses tudo o que eles precisassem em seu dia a dia. Explico: além de livros, o prédio oferece salas de jogos, de reunião, estúdios de música e fotográficos, computadores, impressoras e impressoras 3D, aluguel de bolas para a prática de esportes, um pequeno anfiteatro, comidinhas e outras coisinhas mais. É um lugar incrível que vale a visita. Na mesma praça, estão a Casa de Concertos Finland Hall (com o Cinema Regina) e o Museu de Arte Contemporânea Kiasma.

Biblioteca Central Oodi ao fundo e Casa de Concertos à esquerda

Museu de Arte Contemporânea Kiasma
Do outro lado da praça, fica o Parlamento da Finlândia. E subindo um pouco a rua do Parlamento está o Museu Nacional da Finlândia, Kansallismuseo, que conta a história do país, desde a sua primeira formação, passando pelas guerras, dominações, arquitetura, cultura, etc.

Parlamento

Lateral do Museu Nacional da Finlândia
Mais a oeste, a alguns poucos quarteirões dali, fica a Igreja de Pedra Temppeliaukio, conhecida por abrigar concertos sob a sua cúpula arredondada de cobre e paredes de pedra.

Interior da Igreja de Pedra
Caminhando um pouco mais a oeste, chega-se ao parque Hietaniemi, onde fica a única praia de areia da região, a Praia Hietaranta, um lugar de água rasa e fria, onde os jovens praticam musculação e vôlei, fazem seus treinos de corrida e eventualmente tomam um sorvetinho.

Praia Hietaranta
E vamos um pouco mais ao norte, até o Café Regatta, no distrito de Töölö (difícil acertar a pronúncia). A construção original é de 1887 e servia como galpão para armazenamento de redes de pesca na propriedade da família Paulig. Foi transferida para o local onde se encontra hoje em 2002, onde estavam desde 1952 outros cafés. Tome ali um café, um chá, coma um cinnamon bun, uma torta de blueberry, e passe uns minutos apenas olhando as águas do mar e, eventualmente o pôr do sol.

Regatta Café
Em seguida, caminhe por dentro do Parque Sibelius até o Monumento Sibelius, montado em 1967 pela escultora finlandesa Eila Vilhelmina Hiltunen (1922-2003), em homenagem ao compositor de mesma origem Jean Sibelius (1865-1957). A escultura é intitulada Passio Musicae e foi vencedora de um concurso realizado após a morte do compositor.

Monumento Sibelius
Para quem está na Praça do Mercado – voltando um pouco ali atrás – caminhando ao sul chega-se no Design District. Ao passar na praça Kasarmitori, já se avista o Memorial Nacional à Guerra de Inverno, bem em frente ao prédio das Forças de Defesa Finlandesas. Ali no canto da praça está um dos melhores restaurantes em que comemos, o The Cock.
A Guerra de Inverno é o nome dado à invasão russa ao território finlandês em novembro 1939, 3 meses após Rússia e Alemanha terem invadido e ocupado a Polônia. A guerra russo-finlandesa durou até março do ano seguinte, com a assinatura de um tratado de paz, cedendo 10% do território finlandês e 20% de sua capacidade industrial à União Soviética. Apesar de parecer que a URSS “ganhou” esta guerra, o que aconteceu não foi bem assim, ambos os lados perderam muito no conflito.

Memorial Nacional à Guerra de Inverno
Descendo mais um pouco, nota-se que bairro do design é repleto de ateliês, escritórios de arquitetura e design, galerias e ainda abriga o fabuloso Museu de Design de Helsinki, o Museu de Arquitetura Finlandesa, e a bonita Johanneksenkirkko, a Igreja de São João.

Johanneksenkirkko, Igreja de São João

Interior da Johanneksenkirkko, Igreja de São João

Interior da Johanneksenkirkko, Igreja de São João
Retornando ao norte da península, a dois quarteirões de onde está o Hotel Hilton Helsinki, fica o mercado Hakaniemen kauppahalli, um espaço fechado com diversas lojinhas de comidas e artesanato, bastante interessante. Nos arrependemos de só termos ido no último dia. A variedade de preparo de salmões que encontramos ali foi incrível!

Hakaniemen kauppahalli

Salmões no Hakaniemen kauppahalli
Suomenlinna
Um dos passeios de barco que se pode fazer em Helsinki é para a ilha-fortaleza de Suomenlinna, Patrimônio da Humanidade declarado em 1991. A jornada dura 20 minutos, sai dali da Praça do Mercado, e permite vistas lindas da Roda Gigante e Catedral Uspensky.

Suomenlinna tem canhões enormes espalhados ao seu redor
O forte da ilha foi construído a mando de Frederico I da Suécia entre 1747-1772, junto com outras edificações militares nas outras cinco ilhas do arquipélago em frente à cidade de Helsinki. Seu intuito era proteger a cidade e controlar possíveis incursões navais e terrestres russas, servindo como linha de defesa. A planificação e direção da construção ficou a cargo do almirante Augustin Ehrensvärd (1710-1772), que chegou a liderar mais de 10 mil suecos em alguns verões.

Sepultura de Augustin Ehrensvärd
A obra incluiu também um Dique Seco, cujas bacias e doca serviram de base para a esquadra Sveaborg da Frota Costeira Sueca até 1808, onde foram construídos navios na década de 1760, sob a supervisão do famoso arquiteto naval Fredrik Henrik af Chapman. Em 1808, durante a Guerra Finlandesa, a fortaleza foi conquistada pelos russos, que ali ficaram por mais de um século, até a revolução de 1917. Após a reconquista, a Fábrica de Aeronaves do Estado usou o cais para construir os primeiros aviões finlandeses. Na década de 1930, a bacia interna do cais foi usada como base submarina naval e, após a Segunda Guerra Mundial, a Valmet Oy assumiu as operações de construção naval, inicialmente construindo navios como reparações de guerra à União Soviética (como parte do acordo de paz após a Guerra de Inverno). Hoje em dia a grande bacia do dique seco é utilizada para reparação de veleiros de madeira.

Dique Seco
Porvoo
Como em três dias havíamos andado por todo o centro histórico e turístico de Helsinki e ainda visitado Suomenlinna, resolvemos conhecer a famosa cidade medieval de Porvoo, um charme de lugar, com suas casinhas coloridas à beira do rio. Porvoo é a segunda cidade mais antiga do país, fundada pelos suecos em 1380. Tem cerca de 50 mil habitantes e fica a apenas 50Km de Helsinki. Fomos de ônibus, partindo da estação do shopping Kampi. Há também um barco que sai do porto de Helsinki e leva uma hora para aportar em Porvoo, funcionando entre maio e setembro.

Casinhas da cidade refletidas no rio

A cidade é tão pitoresca que é irresistível não desenhá-la
É um passeio de dia todo, para se poder aproveitar a andança pelas ruelas entre as casas coloridas de moradores, lojas, galerias, cafés e restaurantes.

Uma das ruas mais largas da cidade

Várias decorações floridas permeiam as ruelas de pedra da cidade
Vale visitar a Catedral de Porvoo, no alto da colina, construída ao estilo gótico no século XV, castigada por incêndios ao longo do século XVI: em 1508 foi destruída pelos dinamarqueses; em 1571 e 1590 foi incendiada pelos russos. No século XVII, a igreja foi restaurada, mas em 1708, durante a Grande Guerra do Norte (1700-1721), foi novamente incendiada, deixando a construção quase que totalmente destruída. Durante a Guerra de Continuação em 1941, a igreja foi atingida por uma bomba que caiu pelo telhado nas abóbadas sem explodir. E recentemente, em 29 de maio de 2006, o telhado da igreja queimou completamente devido a um incêndio criminoso. Mas hoje ela se encontra totalmente restaurada, nos moldes da original.
A tal Guerra da Continuação foi assim chamada por ser uma nova ofensiva russo-finlandesa, entre junho de 1941 e setembro de 1944, após a Guerra de Inverno (1939-1940). A Finlândia cedeu parte do seu território à Alemanha nazista para uma ofensiva contra a rival comum União Soviética, causando uma declaração de guerra da Inglaterra contra a Finlândia e fazendo com que até os EUA enviassem material bélico em apoio à URSS. No final deste conflito, como parte do acordo de armistício, a URSS obrigou a Finlândia a expulsar as tropas alemãs de seu território e, como a Alemanha resistiu e se recusou, a Finlândia entrou em guerra com seus antigos aliados alemães, o que foi chamado de Guerra da Lapônia (que durou até abril de 1945).

Catedral de Porvoo

Interior curioso da Catedral de Porvoo

Do outro lado do rio enxerga-se a Catedral
Conclusão
Muita gente passa por Helsinki a caminho de outras cidades finlandesas com o objetivo final de ver a Aurora Boreal. E muitos aproveitam para passar uns dias na cidade para conhecer seus lugares pitorescos. Helsinki também pode servir de ponto de escala para outros países, se estiver a caminho de Tallin, na Estônia, ou de São Petersburgo, na Rússia. Já fizemos uma viagem à Escandinávia, passando pela Noruega, Dinamarca e Suécia, sem incluir a Finlândia no roteiro, mas poderia ser facilmente uma opção, se houver tempo.
Um outro motivo para se visitar a Finlândia é conhecer melhor sua história conflituosa e controversa, e perceber que, até bem recentemente, o país encontrava-se em declínio por conta de guerras, disputas e corrupção política, e praticamente nos últimos 25 a 30 anos é que se reconstruiu, reconstituiu suas instituições e hoje é visto como exemplo de lugar com ótima qualidade de vida e avançado sistema de educação.
Uma piada (de humor controverso) que os próprios finlandeses contam é que, apesar de ter sido considerado um dos países em que as pessoas são mais felizes, a Finlândia é também um dos países com maior taxa de suicídio entre os jovens entre 16 e 24 anos – 35% das mortes nessa faixa etária foram de pessoas que tiraram a própria vida. Assim, dizem, “quem não estava feliz se matou, então só sobraram os felizes para a estatística.”
Veja aqui o post da segunda parte da viagem, a Helsinki, na Finlândia.
Crédito das fotos: Fabio Tagnin