A grande “razão” para esta viagem foi visitar uma amiga que mora em uma das ilhas da Estônia, aproveitando também uma corrida de rua que ia acontecer em Tallin em setembro de 2023. A Finlândia entrou no programa porque Helsinki era a escala perfeita para se chegar à capital estoniana.
Entre os preparativos da viagem de 17 dias, reservamos um Free Walking Tour via Guru Walk em Tallin e outro em Helsinki, e para a “maratona de Tallin” mandamos fazer até camisetas da “equipe Brasil” a disputar a corrida amadora de 10Km.
Dia 1 – Chegada em Tallin
Compramos as passagens online pela British Airways, em parceria com a Finnair, para fazer o trecho de São Paulo a Londres, com layover de 3h no aeroporto de Heathrow, depois pegar um vôo a Helsinki, passar 1h10 ali no aeroporto e finalmente tomar outro avião a Tallin. Como alternativa muita gente faz esse último trecho de barco, que em vez dos 35min aéreos leva 2h marítimas.
Havíamos reservado um apartamento via AirBnB perto do centro histórico e foi para lá que nos dirigimos, pegando um ônibus do aeroporto até a avenida que cruzava com nossa rua. Aproveitamos depois para passar em um supermercado e abastecer a geladeira, porque os próximos cafés da manhã seriam no apartamento.
A escolha do apartamento para alugar foi difícil, mas acabamos gostando de um porque tinha um box de vidro no banheiro e dois quartos – dividimos o espaço com outro casal de amigos. Porém, ao chegar lá, percebemos que o box de vidro era bem apertado e num formato bastante “diferente”. Apesar disso, o lugar era agradável, espaçoso e nos serviu muito bem.

Para tomar banho a porta do box tinha que ficar aberta, molhando todo o chão
Dias 2, 3 e 4 – Tallin
Em nosso primeiro dia havíamos feito online a reserva de um Free Walking Tour de 2h pela cidade pelo Guru Walk começando às 11h. Então tivemos bastante tempo para descansar e chegar ao local de encontro bem antes da hora marcada.
Nossa guia foi uma estoniana bastante divertida e orgulhosa de seu país (com razão). Fez uma ótima introdução histórica da Estônia e nos levou para conhecer o Danish King’s Garden, Town Walls e suas Torres, o Castelo de Toompea, as plataformas com vista para a cidade, a Catedral Nevsky, a Igreja do Domo, Igreja Niguliste, Great Guild Hall, Town Hall (Prefeitura) e a Farmácia da praça principal, uma das mais antigas da Europa.

Praça principal do centro histórico da cidade de Tallin – Raekoja plats

Town Hall, Prefeitura
Ali na praça principal do centro histórico fica a farmácia municipal, Raeapteek, aberta em 1422. Dizem que é a farmácia mais antiga da Europa ainda em funcionamento. Nos fundos do local, há um pequeno museu, com peças medicinais antigas e outras curiosidades.

Museu da Raeapteek, farmácia de 142
Entre as curiosas portas das residências locais, em uma das ruas de pedra ali perto, está a Casa dos Cabeças Pretas, uma sala de espetáculos onde costumava reunir-se a irmandade de mercadores solteiros, que tinham o dever de defender a cidade nas batalhas para provar sua valentia.

Porta da Casa dos Cabeças Pretas
A posição geográfica estratégica do país sempre foi motivo de cobiça ao longo de sua história. Com a Rússia em sua fronteira leste, a Finlândia ao norte, separada apenas por um braço de mar, e a Letônia ao sul, o país sofreu com inúmeras batalhas e ocupações. Em 1918 obteve sua primeira independência e viveu anos dourados até 1940, quando foi novamente ocupada pela União Soviética. Foi só em 1991 que a Estônia conseguiu sua segunda emancipação dos braços da União Soviética, e hoje com sua força apoia incontestavelmente a autodeterminação de outros países ameaçados pela sua algoz, como era o caso da Ucrânia quando ali estivemos (veja ali no monumento a grande bandeira da Ucrânia ao lado da estoniana).

Freedom Square – monumento à independência
Desde a independência, a cidade de Tallin tem sido um ponto turístico que tenta conservar sua identidade medieval, ilustrando sua cultura na arquitetura, nas lojas e nos restaurantes. Diversos espaços remanescentes das ocupações russas, suecas, alemãs e dinamarquesas contam a trágica história do país.
Na parte alta da cidade, a 50m acima do nível do mar, fica o Monte Toompea, onde foi construído o primeiro forte de madeira da região. Desde então, foi tomado por vários conquistadores, que ali construíram fortificações cada vez maiores. Foi lá que os dinamarqueses ergueram um forte de pedras e o cercaram com uma muralha de mais de 2Km de extensão e 46 torres de defesa. Hoje, neste lugar, estão os Jardins do Rei Dinamarquês e o Castelo de Toompea, que abriga o Parlamento, ao lado da torre Pikk Hermann (Tall Hermann), de 46m de altura.

Danish King’s Garden, o castelo do Rei Dinamarquês Valdemar II

Castelo de Toompea, o Parlamento

Torre Pikk Hermann, de 46m de altura
Em frente ao castelo, do outro lado da rua, está a Catedral Aleksander Nevski, construída por ordem do Czar Aleksander III em estilo neobizantino, e ornada com cúpulas negras e crucifixos dourados. A edificação tem seu nome em homenagem ao duque russo Nevski, que lutou pelo país em épocas passadas. Entretanto, para muitos estonianos, além da suposição dela ter sido construída sobre o túmulo do herói estoniano Kalev, a catedral é considerada ainda um símbolo da ocupação russa e, no passado recente, quase foi destruída. Teria sido uma pena.

A fachada da Catedral russa Aleksander Nevski

O interior da Catedral russa Aleksander Nevski
Descendo um pouco a rua da Catedral, fica a igreja mais antiga da Estônia, a Catedral de Santa Maria Virgem, erguida em 1240 pelos dinamarqueses. Um pouco mais adiante, está o Mirante Patkuli, de onde se tem uma bonita vista da cidade velha, com o porto ao fundo.

Vista do Mirante Patkuli
Depois de terminado o Walking Tour, escolhemos alguns dos lugares para visitar por dentro, como o museu das muralhas (Kiek in de Kök). E nos outros dias, fomos andando pela cidade e visitando outras atrações, como o mercado municipal (Balti Jaama Turg), o distrito de Kalamaja, onde fica o Seaplane Pier (Lennusadama) com suas construções novas e museu marítimo, e as áreas mais hipsters da cidade (Telliskivi, onde fica o museu de fotografia Fotografiska). Passamos pelas áreas modernas como Rotermann, pelas ruazinhas residenciais com as famosas portas diferentes das casas (foto de capa deste texto), e pelo parque Kadriorg, seus jardins e museus (como o Kadrioru kunstimuuseum).

Lennusadama

Vista do Fotografiska

Kadrioru kunstimuuseum
Em nossas andanças, paramos também no Maarjamäe Kommunismiohvrite Memorial, um memorial às vitimas do comunismo, que tem até algumas homenagens a soldados alemães, que ajudaram os estonianos, em certo momento, a lutar contra a ocupação russa.

Maarjamäe Kommunismiohvrite Memorial
Fizemos num dia uma reserva para acompanhar o tour do dia seguinte no Museu da KGB, dentro do Hotel Viru, em que a agência de espionagem russa havia instalado equipamentos de escuta para vigiar os estrangeiros que ali se hospedavam.

KGB Museum no Hotel Viru

Vista da cidade, com a torre Tall Hermann ao fundo à esquerda
Dia 5 – Tallin
O dia da maratona. Mesmo acostumada com o turismo, acho que a cidade neste dia transbordou com tanta gente de outros países. Muitos vestindo a camiseta oficial do evento, outros, como nós, com seus uniformes particulares. Houve provas de 5, 10, 21 e 42 Km e o percurso passava pelos pontos mais importantes da cidade. Só de participar já seria um ótimo passeio turístico!

Largada da prova de 10Km da Maratona de Tallin
Neste dia, depois da prova, aproveitamos para fazer uma ronda divertida pelos bares da cidade, que estavam animadíssimos.
Dias 6, 7, 8 e 9 – Tallin – Muhu & Saarema
Muhu é a terceira maior das 2.355 ilhas da Estônia. Fica ao lado de Saaremaa, a maior e mais populosa ilha do país. Muhu tem quase 200 Km2 e uma população de quase 2 mil pessoas. Duas delas são o casal que fomos visitar: ele estoniano, ela brasileira.
A ilha fica a 3h40min de Tallin de carro. Para se chegar lá, é necessário pegar um ferry de meia hora em Virtsu que atravessa o estreito de Suur. Muhu possui alguns vilarejos, dos quais os mais importantes são Kuivastu, Liiva e Koguva. É em Liiva que fica a única escola pública da ilha e em Koguva que fica o Muhu Museum, única atração turística da pequena ilha. No museu, estão mantidas algumas velhas construções agrícolas de madeira e palha, onde se encontram os objetos usados pelos fazendeiros medievais, além de peças de artesanato local.

Muhu Museum
Na ilha maior ao lado, Saarema, fica o Castelo Episcopal de Kuressaare, construído entre os séculos XIV e XIX. Infelizmente, não pudemos visitá-lo porque estava fechado no dia em que estivemos lá. Mas pudemos dar uma volta pela simpática capital da ilha, Kuressaare, os arredores do castelo e ver seu fosso, o parque até alguns hoteis e restaurantes à sua volta.

Castelo de Kuressaare

Restaurante à beira do lago do castelo
A grande ilha de Saarema possui ainda resquícios de uma grande chuva de meteoritos ocorrida há milhares de anos. Ao que tudo indica, um meteorito de 20 a 80 toneladas veio caindo na Terra a uma angulação de 45 graus, em uma velocidade de 15 a 45 Km/s. Passando pela atmosfera, ele esquentou e quebrou-se em pedaços menores, a uma altitude de 5 a 10Km, caindo como uma chuva de fogo. Como resultado, uma das maiores partes abriu uma cratera de 110m de diâmetro e 22m de profundidade, a Cratera de Kaali. No local, foram encontrados resquícios de um vilarejo fortificado da Era do Bronze, e objetos que demonstram que o local foi usado como espaço sagrado para a realização de sacrifícios.

Cratera de Kaali
Uma outra curiosidade na ilha de Saarema são seus moinhos de vento. A ilha abriga os mais tradicionais moinhos de vento em operação do país. Há até um museu a céu aberto, o Angla Windmill Park, que pudemos visitar.

Angla Windmill Park
Finalmente, precisamos falar das Saunas. Assim como na Finlândia, os estonianos amam uma sauna. Seja pelo clima frio, por suas propriedades à saúde, como centros de relacionamento ou simplesmente para relaxar, as saunas podem ser encontradas nos lugares mais inusitados. Muitas vezes, as casas e até apartamentos possuem uma sauna. Algumas são mais tradicionais, alimentadas pelo calor de toras de madeira queimada, outras são mais modernas, elétricas, secas ou a vapor. Não dá para ir à Estônia sem passar e experimentar uma delas!

Sauna na rua do nosso apartamento
Curiosidades
A harmonia do hino nacional da Estônia é igualzinha à do hino nacional da Finlândia.
Johan Ludvig Runeberg, diretor do Liceu Borgå, em Porvoo, na Finlândia, escreveu o texto original Vårt Land (Nossa Terra), em sueco, em 1844. Seu poema foi publicado no outono de 1846, como prólogo de sua obra Fänrik Ståls sägner (Os Contos do Alferes Stål), uma coletânea de 35 baladas heroicas, que tinha como pano de fundo a Guerra da Finlândia de 1808-09 – que terminou com a Suécia cedendo a Finlândia à Rússia por meio do Tratado de Hamina. O poema Vårt Land ficou tão famoso, que diversos compositores tentaram musicá-lo. Mas foi a versão do compositor alemão e convidado da Universidade de Helsinque, Fredrik Pacius, que conquistou popularidade. Assim nasceu o hino nacional finlandês, executado pela primeira vez em 1848 por estudantes que comemoravam o Dia da Flora (13 de maio), em uma pradaria do Solar Kumtähti, em Helsinque. O próprio compositor alemão regeu o coro da universidade na ocasião, levando o público às lágrimas, dizem.
A melodia de Fredrik Pacius, com semitons diferentes e sem repetição de versos, como no hino da Finlândia, foi adotada também pela Estônia em seu próprio hino nacional, depois da Guerra da Independência, em 1920. A música foi cantada até 1940, quando o país foi ocupado pelos soviéticos. Durante as cinco décadas da ocupação, porém, a melodia foi estritamente proibida e pessoas eram enviadas à Sibéria por cantá-la. Contudo, a mesma harmonia familiar podia ser ouvida na rádio finlandesa – cujas ondas atravessavam o Golfo que separa os países – sendo tocada diariamente no início e no final dos programas. Com isso, os estonianos nunca a esqueceram, adotando-a novamente de 1990 em diante. A letra de Mu isamaa, mu õnn ja rõõm (“Minha Pátria, Minha Felicidade e Alegria”) foi escrita por Johann Voldemar Jannsen e havia sido cantada no primeiro Festival da Canção da Estônia em 1869.
Conclusão
Tallin é uma das cidades medievais mais conservada da Europa e capital com muita história, recheada de guerras e disputas estratégicas. Ao aportar em Helsinki, fica muito perto se for de barco ou avião. Dá até para ser um passeio de um dia partindo da capital finlandesa. Recomendo.
Veja aqui o post da segunda parte da viagem, a Helsinki, na Finlândia.
Crédito das fotos: Fabio Tagnin